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Quinta-feira, 28 de Fevereiro de 2019

INQUIETUDES

 

Suspensa de inquietos pensamentos, caminha na direção do café. A manhã ainda respira orvalho, um manto cinza encobre a linha do horizonte. Não há mar, apenas o barco que sulca o rio na pressa da foz: a adivinhar a barra pelo silvo da ronca.

Sabe que a noite ainda perdura nos seus passos, a prolongar-se no seu rosto triste. A noite trouxera-lhe o mesmo sonho, esse pesadelo de dor e ausência. Senta-se na mesa do canto, como a pedir proteção ao isolamento. Puxa dum livro que traz no saco, “O estrangeiro” de Camus, o livro do ridículo, há quem diga. Ao lado do livro pousado como numa distração atenta o telemóvel ligado à rede Wi fi; a ancestralidade da palavra lado a lado com a facilidade das mais recentes tecnologias, ao seu dispor.

 O tempo passa enquanto toma o pequeno almoço - luxo recente, praticamente o único a que se dá o direito -, galão e pão com manteiga, pouca, que a saúde impõe certos cuidados. Depois de várias experiencias, cereais, sumos naturais, fruta, sementes, retoma o hábito de longa data, sabe que a idade que tem agarra-se a rotinas como lapa na rocha. E também sabe que as deve contrariar, exigir ao cérebro novas adaptações, novos esforços. Os neurónios agradecem, a crer em estudos recentes… e nem tão recentes como isso. Mas que importa, suspira, ninguém cá fica.

Solicita o jornal do dia. Quase sempre ocupado. Pelo preço duma bica a atualização dos acontecimentos; uma questão de economia caseira. Desta vez entregam-no de imediato. Tenta concentrar-se nas notícias. Apenas os títulos – os textos, as notícias, alarmam-na, invariavelmente. A crise, sempre a crise, o desemprego a corrupção…, a violência doméstica, o estupro, a pedofilia…, a debilidade da justiça, os julgamentos que não se fazem por falta de prova (quem tem dinheiro para pagar ricos honorários a advogados arrasta a situação até à prescrição, já tão banal a estratégia), a ameaça de rutura económica na Venezuela, no México... – Portugal emergiu do subsolo económico, valha-nos esta, ainda que... - a guerra e respetivos refugiados, os atentados terroristas, tudo, e não é de somenos, a expandir tal leque de incómodos.

Não pensar. O pensamento, melhor, o esquecimento, é adverso a tanta coisa má, tanto disparate, tanta violência. Pede a revista usual. Debruça-se em particular sobre uma ou outra crónica, com destaque para os escritores Valter Hugo Mãe, João Lobo Antunes, José luís Pacheco. Os textos poéticos atraem-na. A poesia salva-a, ainda que momentaneamente.

Mas querer não pensar não lhe basta. “Ninguém corta a raiz ao pensamento”, diz a canção, e sente que esta conceção é abrangente: desde as peripécias familiares a riscar quanta vez o bom senso, a criarem a dúvida, estou certa, estou errada, desde à consciência de em nada ou em muito pouco poder contribuir para um mundo melhor, esse mundo tão alheado do calor das discussões juvenis. Contrariamente, ao tempo adolescente da minha geração, em que se acreditava que tudo seria possível: paz, pão, educação...para todos.

Pega no seu bloco de apontamentos e a necessidade de passar para a escrita o que lhe vai na alma apoquenta-a, fá-la sofrer, mas é imperiosa. Debruça-se sobre o jornal a procurar motivo inspirador.

A comunicação social destaca a violência, as tragédias de faca e alguidar; o terrorismo merece-lhe enfoque especial, ainda que um terror lá longe, todavia cada vez menos, porque um terror tão perto que quase lhe podemos sentir o cheiro – já quase paredes meias com as nossas casas, os atentados à vida humana, à liberdade do ser humano como cidadão civil, político e religioso, persistem ainda com maior brutalidade.

Não, não refere apenas o terror perpetrado pela seita islamita. Pela ISIS – vulgo estado islâmico. Mas também à loucura, um pouco por toda a América, com feroz destaque para os EUA, que provoca o medo, o terror, a morte de pessoas inocentes com relevância para jovens, crianças e professores.

Não apresenta aqui números precisos de inocentes caídos sobre o fogo mortífero das armas. Qualquer um o pode fazer consultando a internet. Reconhece que é um número elevado, talvez mais elevado que as vitimas tombadas num qualquer atentado dito terrorista.

Com dor, por incapaz, que não esta escrita de opinião, ou até dum ou doutro poema, de nada fazer para atenuar este estado calamitoso de coisas. E esta impotência, este estar no seu canto de conforto, afinal esta cobardia travestida de palavras mais ou menos sonoras mais ou menos poéticas culpabiliza-a. Tira-lhe até o sono.

Levanta-se do seu canto que a isola um pouco do frenesim costumeiro da manhã de café e jornal. Com o saco a tiracolo sai sem se despedir de ninguém.

Aquela é louca. Ou malcriada. Ouve.

publicado por Bernardete Costa às 22:16

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