https://youtu.be/QLCDymoJD_0
Shiu, a mãezinha está a dormir…
impunha à pequenada que voava pela casa
como andorinhas em redor dos seus beirais.
Shiu, a mãezinha está a dormir…
e retinha num inábil abraço a pequenita,
que jamais se calava, tal avezita solitária em nocturno ninho.
Ainda uma adolescente,
o meu ventre não satisfazia a fome e a sede da existência;
mas uma luz resplendia quando a partitura do teu sorriso
imitava um musical de amor;
no orvalho da alegria eu buscava a música do teu ser
porque tu és música como ela eterna, e essência de vida.
Shiu, a mãezinha está a dormir…
ciciava com autoridade, numa tirania de génio,
usando a batuta da idade.
Eu adolescente, o meu regaço tão verde,
a suplicar na lágrima da voz, os ritmos de fonema
em requien de Mozart, talvez já numa metáfora de poema,
Depois desse martírio de silêncio,
o sol vibrava na tarde em acordes de Verdi:
festim de rimas e gorjeios de ave celebrando a tua presença.
Então, adejava pela escada, erguia a asa
e numa liberdade de rua reencontrava a brincadeira
até o meu coração esquecer e deixar de doer.
Tantos outros depois, fechei definitiva a porta solteira da casa.
Deixei à solta o bando de pardais
que não cabiam mais nas minhas seduzidas mãos
por outras melodias; mas a música não desaparece assim,
até que te reencontrei, serena,
numa demência matutina, a entoar cânticos da infância,
surda aos sons desafinados,
de novo criança, rasgando o presente em pedaços.
Teu pai era como um sol a varrer a praia,
dizias numa litania de persistência, não tinha culpa,
as mulheres como sereias traiçoeiras roubavam-me o seu o amor….
E a fímbria de meus dedos a deslizar na neve dos teus cabelos
com beijos musicais a sussurrar ternuras;
agora amava-te sem medo
e tu repetias o segredo preso na secura da vida:
gosto tanto de ti!
Shiu, a mãezinha está a dormir…
murmuro ao agitar do mar, ao chilrar das aves, ao grasnar dos patos
ao cio felino dos gatos que enleados na ventania
acordam a minha janela onde só permito o tamborilar da chuva
entoando uma canção de ninar. Um dia,
talvez possas acordar para a minha fantasia; entretanto
eu tomo conta de ti, sem coragem de me despedir:
shiu, a mezinha está a dormir…
Shiu…………………..
Bernardete Costa
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