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Terça-feira, 11 de Abril de 2017

A VOZ DO RIO - CONTO INFANTO/JUVENIL

 

A voz do rio

 

 

A felicidade de Maria e Manuel era assombrada pela ausência de sorrisos e traquinices infantis!

Como se amavam e temiam que o seu amor não sobrevivesse àquela dura prova que a vida lhes preparara, a ausência de filhos, deslocaram-se até ao rio que serpenteava tranquilo na zona baixa da sua cidade. É que, diziam os antigos, quem permanecesse durante uma noite sob os seus arcos de pedra, chovesse ou fizesse frio, e não mostrasse qualquer medo perante os estranhos e medonhos ruídos que por lá se escutavam, com certeza conseguiria satisfazer os seus mais prementes desejos.

Verdade ou não o certo é que nascerem-lhes sete filhas, uma em cada ano, cada qual a mais bonita: uma de loiros cabelos como o sol e olhos cor de água, outra de cabelos ruivos cor de cenoura e olhos azuis de mar, ainda outra de olhar verde-esmeralda e cabelos negros como a noite mais escura...; todas belas, graciosas...e muito, muito vaidosas!

Somente uma delas era diferente: a mais nova de todas. Luana, assim se chamava, de tez morena, olhos castanhos como raízes de árvore, cabelos quase pretos e lisos, tão escorridos que nem uma permanente havia conseguido aqueles belos caracóis que faziam o orgulho das suas lindas irmãs. Além de que, para acentuar a tristeza de Luana, uma mancha circular, um angioma inoperável, desformava-lhe ligeiramente o rosto do lado direito. Por causa deste defeito e consequente fealdade, Luana trazia sempre os cabelos cobrindo-lhe parte do rosto. E olhava as pessoas timidamente, cabisbaixa, receando mostrar a face e a sua malfadada mancha.

Enquanto foram crianças, todas as irmãs brincavam juntas em correrias e atropelos. Logo que cresceram e se transformaram numas mulherzinhas, tudo mudou para Luana: que feia és!, que cabelos horrorosos!, que mancha desagradável, diziam sem piedade uma a uma as seis irmãs.

Estas meninas faziam a felicidade do casal, Maria e Manuel: seis delas eram tão belas, já aqui se disse! Ninguém na cidade e arredores se podia gabar de ter filhas com tal beleza. E quando passeavam de mão dada pela cidade, as pessoas gabavam-nas com sincero espanto: a mais bonita é a de olhos azuis...!, não, é a de olhos verdes...!, não digas disparates, é a de olhos d´água...! Com tantos elogios, já podem adivinhar, estas meninas tornaram-se muito vaidosas. Só pensavam em cabeleireiros, roupas, sapatos, carteiras... Passavam a vida ao espelho, cada uma a querer saber quem era a mais bela. E, claro, até os estudos iam de mal a pior...

Apenas Luana não tinha coragem de se ver ao espelho. No entanto, era muito boa estudante, muito arranjada, e a casa brilhava como um brinco quando ajudava a mãe nas lides domésticas. Luana mostrava-se sempre pronta para colaborar nos mais diversos trabalhos mesmo que os pais não pedissem. Parecia até que ela lhes adivinhava os mais íntimos desejos! Porém, Luana nem sempre sentia qualquer felicidade nestes atributos que só ela reconhecia. Quantas vezes mergulhou o seu no olhar ridente do pai a implorar afeto. Mas a distração do pai passava por ela e detinha-se apenas na beleza das irmãs.

Depois, na penumbra do quarto, mesmo ao lado da sua irmã de sedosos cabelos de oiro que dormia como um anjo, deixava rolar lágrimas quentes e salgadas que formavam um pequenino ribeiro a inundar a almofada.

 

 Quando a Primavera rompia pelas manhãs com a sua luz transparente, Luana, agora uma adolescente que apreciava a natureza, levantava-se cedinho e dirigia-se para junto do amado e belo rio, cujas margens eram bordadas por frondosos salgueiros muito verdes entremeados por lírios perfumados e de múltiplas cores. Levava com ela um livro e sentava-se num dos bancos de madeira pintada de verde, que ali se encontrava naquele jardim salpicado de cor e perfume virado à tranquilidade das águas.

Um dia, mais triste do que nunca, Luana reflectia no porquê de não ser tão bela como as irmãs; e como não conseguia ler, levantou-se e mirou-se no espelho da água. Que feia sou!, disse num fio de voz cheio de angústia. E para seu assombro ouviu:

Sorri, Luana! Sorri, Luana!

Quem me fala?, estranhou olhando para a direita e para a esquerda, para trás e para a frente a procurar o dono de tal maviosa voz.

O rio já divertido repetiu: sou eu, Luana, o rio que tanto admiras e amas.

Luana exultou: era a voz do rio! Ela conseguira escutar a voz do rio! Que maravilha! Que felicidade!

Que lhe dizia?? Sorri, Luana? Era preciso sorrir!?

Pela primeira vez, desde o tempo em que deixara de ser criança,  Luana sorriu, riu e deu sonoras gargalhadas.

E o rio dizia e repetia: sorri, Luana, sorri, Luana...

Quando chegou a casa, verificou que as irmãs olhavam para ela duma forma diferente.

Que aconteceu a Luana? Até parece bonita! Olha, atirou os cabelos para trás das orelhas! Fica-lhe bem assim... E o sorriso, vejam como sorri! Que belo sorriso!, exclamavam uma a uma as suas irmãs.

Quando o pai chegou a casa, Luana procurou os seus braços onde se aninhou. E olhando-o nos olhos sorriu dum jeito tão doce e terno que ele se envergonhou; havia elogiado tanto as outras filhas, enquanto permanecia cego para as qualidades de Luana como estudante e para o amor que ela lhes dedicava, a ele e à mãe, sempre que, sem resmungar, se mostrava disponível e pronta para ajudá-los nos diferentes trabalhos que a casa requeria.

 

Bernardete Costa

publicado por Bernardete Costa às 19:37

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